Arquivo do mês: junho 2012

Uma dramaturgia aberta as possibilidades de cada novo espaço

Texto de Jeferson Vargas – Garopaba/SC

O espetáculo Ninjinski – para dentro do coração de Deus foi apresentado no sábado dia 2 de junho n’A Nave. Um monólogo representado por André Sarturi e dirigido por Ana Luz. O espetáculo me fez retomar a reflexão da importância dos processos.
O teatro, em essência, é uma dízima periódica, no sentindo de que tende para o infinito. Todos os dias que o ator entra em cena, tem a oportunidade de ir um pouco mais além, de recriar, descobrir… Pode, obviamente, não fazer – acomodar-se – mas a possibilidade é latente. Pesquisadores das artes cênicas do século XX trabalharam esse aspecto de forma explicita – o que se chamou de “Work in process” – a aceitação da apresentação teatral como obra inacabada. E o espetáculo Ninjinski segue essa vertente.
A impressão que tive (durante os ensaios a tarde, na hora da apresentação e depois conversando com o grupo) que essa apresentação teve uma importância relevante. O espetáculo foi criado para ser apresentado na rua, pedindo uma determinada postura. Assim, para apresentar n’A Nave, o grupo teve que recriá-lo para sala. Um ato de coragem. Essa mudança radical de espaço abriu um leque de possibilidades que a rua não proporciona: nuances de texto, movimentos sutis, trabalho de detalhes, intimidade sentimental, intenções, que quando interagimos com a imprevisibilidade e a poluição sonora não temos. A rua certamente abre portas para outros aspectos que, aqui, não vem ao caso.
Para fazer um trabalho deste nível precisamos desenvolver algumas qualidades. Qualidades como disciplina, flexibilidade e confiança. O grupo chegou ao espaço e logo começou o trabalho tanto de adaptar o texto – Ana reescreve concentrada-,   transformar o lugar para apresentação jogando com as possibilidades que o espaço dispõem, ver a luz disponível que não é uma luz feita especialmente para o espetáculo, e ensaiar, adaptando movimentos, e, principalmente, intenções que na rua são mais fortes e que para dentro da sala tornam-se exageradas. Para que tudo flua, o ator tem que confiar na pessoa que o conduz (o olhar de fora, o diretor). Não é submissão, pois a submissão é quando não temos consciência do que estamos realizando; estou falando de flexibilidade e disponibilidade para experimentação a partir da obediência e confiança.
Chamo atenção que embora a proposta seja de construção aberta, de adaptação livre, não é algo de improviso, no sentido de fazer de qualquer jeito. É como o palhaço: não se improvisa um palhaço, se improvisa com o palhaço. No ator há uma maleabilidade em decorrência dos elementos em jogo; no entanto, o personagem tem que estar bem construído. E, no caso, de André Sarturi, era visível a sua dedicação e a propriedade sobre a construção de seu personagem Ninjinski. Ficou evidente que a sala o surpreendeu, e na questão da dízima, foi um novo impulso, o soltar o corpo da beira de um precipício. E o resultado, reverberará na continuação do processo…
Garopaba, 9 de junho de 2012